Audiodescrição transforma imagens em palavras na Bienal Sesc de Dança
02/10/2025
(Foto: Reprodução) Bell Machado durante a montagem no Sesc Campinas – Crédito: Henrique Fernandes
No espetáculo que abriu a Bienal Sesc de Dança em Campinas, o Balé que Você Não Vê, um trabalho essencial para a cultura de acesso ganhou destaque: a audiodescrição ao vivo. A responsável por essa ponte entre o palco e o público com deficiência visual é Bell Machado, pioneira da audiodescrição no Brasil, desde 1999.
Bell explica que o processo começa muito antes da estreia.
“Normalmente recebemos o vídeo do espetáculo ou acompanhamos os ensaios com pelo menos 20 dias de antecedência. Isso é fundamental para estudar a linguagem artística, como a dança afro-baiana, e preparar o roteiro que será consultado por um especialista com deficiência visual”, conta.
Esse consultor, também formado em audiodescrição, revisa o roteiro para garantir que os elementos visuais sejam traduzidos com sensibilidade e precisão. A audiodescrição no teatro precisa ser feita ao vivo.
“O teatro é vivo. Cada apresentação tem um timing diferente, uma inspiração única. Não dá para pré-gravar e soltar. Isso comprometeria a experiência de quem não enxerga”, afirma.
Como é feito o trabalho de audiodescrição na Bienal Sesc de Dança?
Bell Machado na cabine de audiodescrição no Sesc Campinas – Crédito: Henrique Fernandes
Durante o espetáculo, Bell trabalha em uma cabine isolada para garantir a qualidade do áudio transmitido por fones de ouvido aos espectadores que solicitam o recurso.
“A audiodescrição não é sobre o que eu sinto, mas sobre o que está na imagem que provoca emoção. A pessoa com deficiência visual é capaz de sentir por si mesma. Minha responsabilidade é dar os elementos estéticos por meio das palavras”, descreve a audiodescritora.
Além de beneficiar pessoas cegas ou com baixa visão, a audiodescrição também pode ser útil para pessoas com autismo ou TDAH.
“Ela oferece uma camada narrativa que amplia a percepção do espetáculo. Mesmo quem enxerga pode se surpreender com detalhes que não havia notado”, explica.
Bell destaca ainda o cuidado com o vocabulário e a riqueza do léxico.
“Eu uso termos específicos, como o nome de uma túnica ou de um turbante, para enriquecer a experiência. E nas notas introdutórias, faço a sinopse e descrevo o palco, o cenário, a cortina... tudo que qualquer pessoa que enxerga já vê ao entrar”, detalha.
A dedicação e o cuidado mostram que acessibilidade cultural vai muito além de cumprir uma norma: é sobre garantir que todos possam sentir, imaginar e se emocionar com a arte.
Estela Lapponi revela como será a audiodescrição em espetáculo que celebra a beleza da assimetria
Estela Lappono no espetáculo La asimetría es más rica – Crédito: Sheila Signário
A artista Estela Lapponi apresenta o espetáculo ¡La Asimetría Es Más Rica!, uma performance que mergulha na estética da antropofagia modernista para destacar corpos fora da norma.
Com base em sua pesquisa sobre o Corpo Intruso, conceito que investiga a performatividade de corpos dissidentes, como o seu, com deficiência, a performer paulistana propõe uma experiência sensorial e simbólica a partir de uma única frase: “¡La asimetría es más rica!”.
A frase, repetida como um mantra ao longo da apresentação, acompanha o gesto ritualístico de cortar frutas com diferentes facas e técnicas, sempre utilizando apenas uma das mãos. O público é convidado a compartilhar das frutas e da repetição da frase, em um convite à experimentação de novos sabores e narrativas.
Um dos destaques do espetáculo é a proposta de audiodescrição. Segundo Estela, a audiodescrição será fechada, ou seja, acessível apenas para quem estiver com fones de ouvido.
“Como meu trabalho só tem essa frase e não pode ter outra informação, a audiodescrição também segue essa estética. A Isadora fez o roteiro baseada no vídeo que mandei para ela, ciente de que tudo é improvisação”, explica.
A artista participou ativamente da construção do roteiro, descrevendo como gostaria de ser apresentada.
“Ela pediu para eu me descrever. Colocou lá as aberturas. O momento vai ser muito do corte da faca, de qual fruta você vai pegar e etc”, conta.
La asimetría es más rica – Crédito: Sheila Signário
Estela também compartilhou que houve uma troca cuidadosa sobre o uso de palavras específicas, embora manteve em segredo quais termos foram escolhidos.
“Eu sou muito atenta a palavras que são representativas da estética que está sendo apresentada. Eu tenho várias guias no meu pescoço. Ela (a audiodescritora) falou colares, mas eu disse: ‘não, são guias’”, comentou Estela.
A proposta da audiodescrição, segundo a artista, é tornar os detalhes mais ricos e alinhados à estética do espetáculo. Ao final, Estela afirma a beleza do assimétrico e convida o público a repensar padrões, celebrando a diversidade dos corpos e das experiências.
Com sensibilidade e precisão, audiodescrição transforma imagens em palavras
Além do trabalho técnico e sensível da audiodescrição ao vivo, Bell também levanta uma discussão fundamental: a diferença entre inclusão e acessibilidade cultural.
“O que a gente está fazendo aqui não é inclusão. É garantir o acesso. A pessoa com deficiência não precisa ser incluída por alguém. Ela precisa ter acesso ao que é de direito”, afirma.
Esse conceito, que vem sendo cada vez mais adotado por pesquisadores e profissionais da área, propõe uma mudança de olhar. Bell também explica que até mesmo as notas introdutórias da audiodescrição, como a descrição do palco, do cenário e da cortina, seguem esse princípio.
“Não é um privilégio. É o que qualquer pessoa que enxerga já vê ao entrar. Se a cortina está fechada, eu respeito o tempo do diretor. Só descrevo quando ela se abre, para que o inusitado também seja vivido por quem não enxerga”, descreve.
A audiodescrição, portanto, não é apenas uma ferramenta técnica. É uma prática ética, estética e política.
“Minha responsabilidade é transformar imagens em palavras que permitam fruição estética. E isso exige estudo, sensibilidade e respeito à linguagem artística de cada espetáculo”
Com essa abordagem, Bell reafirma que a cultura do acesso é um direito e não uma concessão. E que a arte, quando acessível, pode ser vivida plenamente por todos.
Quais são os espetáculos com audiodescrição na Bienal Sesc de Dança?
A 14ª Bienal Sesc de Dança conta com quatro espetáculos com audiodescrição. Veja quais são abaixo:
O Balé Que Você Não Vê (Balé Folclórico da Bahia) – Dia 26/9
Detrás del Sur: Danzas para Manuel (Sankofa Danzafro) – Dia 1º/10
¡La Asimetría Es Más Rica! (Estela Lapponi) – Dias 3 e 4/10
Reino dos Bichos e dos Animais, Esse É o Meu Nome (Coletivo CIDA – Coletivo Independente Dependente de Artistas) – Dias 4 e 5/10
Onde posso comprar ingressos da Bienal Sesc de Dança?
A 14ª edição da Bienal Sesc de Dança conta com atividades gratuitas e com valores a partir de R$ 12. Os ingressos estão disponíveis pelo site, app e nas unidades do Sesc SP.
Para mais informações sobre a 14ª Bienal Sesc de Dança, acesse o site sescsp.org.br/bienaldedanca.