Brasil tem histórico de tornados, e o que destruiu cidade no Paraná pode ser um dos mais fortes já registrados
09/11/2025
(Foto: Reprodução) Meteorologista explica formação tornado e ciclones no sul do Brasil
O tornado que devastou cidades da região Centro-Sul do Paraná nesta sexta-feira (7) – e atingiu o índice EF3 em uma escala que vai até 5 – pode estar entre os mais fortes já registrados no Brasil. A avaliação é do pesquisador Daniel Henrique Cândido, doutor em geografia pela Unicamp.
Segundo ele, o país tem um histórico expressivo de tornados e ocupa uma posição de destaque no cenário mundial. “Continua sendo a segunda área de risco mais intenso de ocorrência de tornados no mundo. Ela só fica atrás do chamado corredor dos tornados nos Estados Unidos”.
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Em 2012, Candido defendeu uma tese de doutorado em que catalogou 205 desses fenômenos ocorridos entre 1990 e 2011. Entre eles está um registro de maio de 1992, que atingiu Almirante Tamandaré (PR) e também chegou a EF3, com seis mortos.
Para ele, o de sexta, que também deixou seis vítimas fatais e destruiu 90% do município de Rio Bonito do Iguaçu (PR), pode estar entre os 10 piores já registrados. A lista inclui, ainda, tornados Itu (SP), que deixou 15 mortos em 1991, e de Nova Laranjeiras (PR), com quatro em 1997.
🌪️ Os tornados são fenômenos atmosféricos menores, mas muito intensos. Eles surgem geralmente de tempestades severas em áreas com grandes variações de vento. Nesta reportagem, o g1 detalha a diferença entre tornados, ciclones e furacões.
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Reuters/via Governo do Estado do Paraná
O pesquisador explica que o alto número de tornados no país está diretamente ligado às condições geográficas e climáticas da América do Sul. “O motivo desse valor tão elevado na ocorrência de eventos está relacionado exatamente com a situação geográfica do país.” Entenda:
O Centro-Sul do continente, incluindo Brasil, Paraguai e norte da Argentina, é uma área relativamente plana, com relevo que favorece o encontro de massas de ar;
As massas de ar acabam sendo canalizadas pela presença da Cordilheira dos Andes, a oeste, e pela Serra do Mar, no litoral brasileiro;
Isso cria um canal que facilita o escoamento dessas massas de ar, permitindo que avancem de forma mais rápida e intensa;
Essas condições criam o ambiente ideal para a formação de ciclones e tempestades severas, de acordo com o pesquisador.
“Essas áreas de baixa pressão aumentam a turbulência atmosférica, e quando o ar fica mais turbulento, você tende a ter intensificação de movimentos convectivos.”
Somados, os fatores climáticos e geográficos tornam as regiões Sul e Sudeste mais propensas aos tornados, como demonstra o histórico destacado por Daniel em sua tese:
em 28 de novembro de 1995, um tornado foi registrado entre Paulínia (SP) e Jaguariúna (SP);
dez anos depois, em maio de 2005, foi a vez de Indaiatuba (SP) ser atingida por um tornado. Fábricas, prédios municipais e pelo menos 400 casas foram destruídos por ventos que atingiram cerca de 250 km/h;
no Rio Grande do Sul, as áreas mais suscetíveis à ocorrência de tornados são a faixa litorânea e as imediações do lago Guaíba, com probabilidade em torno dos 25% ao ano;
em Santa Catarina, as regiões mais propensas à formação do fenômeno estão localizadas também no litoral e no extremo sul do Estado, mais ou menos nos mesmos patamares.
Daniel detalha que combinação entre o aquecimento do ar, a condensação da umidade e os ventos em altitude pode gerar tanto tornados quanto outros fenômenos destrutivos, como microexplosões atmosféricas, fenômeno que ocorreu no interior de São Paulo em 2016.
Tornado no Paraná superou 250 km/h
Com base nas imagens e nos danos observados na cidade paranaense, o geólogo avalia que o tornado foi excepcionalmente forte. Na tese de doutorado publicada em 2012, ele também defendia a criação de uma Escala Brasileira de Ventos (Ebrav), com níveis de 0 a 7, voltada às especificidades do país.
O primeiro estágio equivale a ventos de até 50 km/h, intensidade que não apresenta potencial de danos. O último classifica ventos acima de 260 km/h, capazes de provocar destruição generalizada de instalações urbanas. Se fosse adotada, a Ebrav colocaria o desastre do Paraná no nível 6, devido ao potencial de:
desabamento de casas de alvenaria;
levantamento de automóveis com a força do vento;
quebra de postes de cimento e derrubada de torres de alta tensão;
quebra de vidros de janelas em edifícios altos pela força do vento.
Cultura de prevenção ainda é desafio
Embora não sejam tão recorrentes como na América do Norte, os tornados no Brasil têm gravidade importante, segundo o pesquisador. No entanto, os impactos tendem a ser notados de forma diferente devido a fatores como a densidade populacional das regiões afetadas, os padrões construtivos de cada país e a cultura de prevenção.
“Nos Estados Unidos, as casas são predominantemente de madeira ou estruturas leves, o que as torna mais frágeis ao vento, mas mais fáceis de reconstruir.” Já no Brasil, segundo ele, “as habitações são construídas em material mais pesado, como concreto e tijolo. Elas resistem mais, mas quando desabam, o impacto é muito maior.”
“Áreas mais pobres, mais periféricas, tendem a ter um grau de vulnerabilidade muito maior. No fim, a gravidade e a fatalidade não é nem tão vinculada à intensidade do evento, mas sim ao local onde ele foi registrado.”
Para o especialista, o Brasil ainda está distante da cultura de prevenção presente em países como os Estados Unidos. “Lá, é comum ligar a TV e ver as condições do tempo logo pela manhã. As pessoas crescem aprendendo a acompanhar e confiar na meteorologia.”
Ele aponta dois motivos principais para essa diferença: educação e infraestrutura. “Eles têm uma rede de radares muito mais adensada que a brasileira, com cobertura praticamente total e dados acessíveis ao público. No Brasil, a burocracia para acessar informações meteorológicas muitas vezes dificulta a criação dessa cultura.”
Infográfico: tornado deixa rastro de destruição em Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná
Arte/g1
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