Muito além das “pragas”: livro reúne conhecimento mais recente sobre os cupins da América do Sul

  • 01/11/2025
(Foto: Reprodução)
Cupim-do-pasto (Cornitermes cumulans) registrado em Brasília (DF) Jean Martins / iNaturalist Quando se fala em cupins, a imagem que normalmente vem à cabeça é a dos insetos que atacam casas, móveis e estruturas de madeira. Mas essa visão representa apenas uma pequena fração da realidade: cerca de 97% das espécies de cupins não têm qualquer relação com ambientes urbanos. Apesar da fama negativa, apenas cerca de 3% das quase 3 mil espécies de cupins conhecidas no mundo são consideradas pragas. Esses poucos grupos adaptaram-se a ambientes urbanos ou agrícolas e se beneficiam do uso de madeira processada, monoculturas e áreas degradadas. Ainda pouco estudados, esses pequenos insetos são organismos fundamentais para o funcionamento dos ecossistemas, especialmente nas regiões tropicais como a América do Sul, um dos grandes centros de diversidade do grupo. Um novo livro com mais de 800 páginas, escrito por 58 pesquisadores (brasileiros e estrangeiros) e financiado em parte pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), reúne o conhecimento científico mais atualizado sobre os cupins na região Neotropical, que inclui toda a América do Sul, América Central, Caribe e parte do México. Cupinzeiros de Cornitermes cumulans em Mineiros (GO) w_endo / iNaturalist A obra destaca que existem quase 3 mil espécies de cupins no mundo, sendo 623 registradas apenas na região neotropical, o que faz dela a terceira mais diversa do planeta, atrás apenas das regiões Oriental e Etiópica. O livro pode ser acessado gratuitamente por este link. “A diversidade de cupins na região Neotropical provavelmente se dá pela extensão territorial e pela heterogeneidade ambiental. A Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado, por exemplo, são biomas megadiversos, e os cupins são bastante diversos em todos esses três exemplos”, ”, explica o pesquisador Ives Haifig, professor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (CCNH-UFABC) e um dos autores da pesquisa. A família Termitidae, que domina a diversidade global e neotropical, possui nove subfamílias representadas na região, algumas delas totalmente exclusivas daqui, como Crepititermitinae, Neocapritermitinae e Syntermitinae. Só os Syntermitinae somam 22 gêneros e 104 espécies. Engenheiros do solo Além da diversidade, os números sobre a importância ecológica dos cupins impressionam. Segundo a literatura científica, eles representam uma parte significativa da biomassa animal terrestre. Estima-se que a biomassa de cupins seja equivalente à dos humanos e corresponda a cerca de 25% de toda a biomassa de artrópodes do planeta. Essa abundância está ligada ao papel que desempenham na decomposição da matéria orgânica e na ciclagem de carbono e nitrogênio. Cupins do gênero Labiotermes, registrados em São Roque (SP) Heytor Lisboa / iNaturalist “Eles são capazes de reciclar cerca de 65% da madeira morta em florestas tropicais e savanas, participando ativamente na mineralização do carbono”, explica o pesquisador. “Além disso, participam da ciclagem de nutrientes do solo, com atuação na fixação do nitrogênio atmosférico, mediada pela flora bacteriana em seus intestinos.” Mesmo consumindo grande quantidade de biomassa vegetal, o carbono não fica retido por tempo prolongado nos cupins, pois a vida dos indivíduos é curta, durando só alguns meses ou poucos anos. Mas o processo de ingestão, decomposição e devolução de nutrientes ao solo é constante, o que os torna essenciais nos ciclos biogeoquímicos. Os cupins também são fonte de alimento para diversos vertebrados. “Em ecossistemas semiáridos como a Caatinga, os cupins se tornam um recurso estratégico e perene para a manutenção das populações de vertebrados durante os períodos de seca”, afirma. Cupins e os serviços ecossistêmicos Considerados engenheiros de ecossistemas, os cupins modificam o ambiente à medida que constroem ninhos e túneis subterrâneos. O ato de escavar, transportar partículas e rearranjar o solo aumenta sua porosidade, reduz a compactação e melhora a infiltração da água. Neocapritermes angusticeps, também conhecido como cupim peteleco verneau / iNaturalist Esse processo, chamado bioperturbação, favorece a vida microbiana, a retenção de umidade e o desenvolvimento das plantas - não só em áreas naturais, mas também em solos agrícolas. “Eles contribuem para a manutenção e recuperação da vitalidade do solo, aumentando a diversidade de microrganismos e nutrientes”, relata Ives. Ninhos ativos ou abandonados também viram abrigo e local de nidificação para várias espécies. Só no Brasil, pelo menos 45 aves utilizam cupinzeiros para fazer ninho, como o graveteiro, o corrupião, o joão-bobo e o pica-pau-do-campo. Baratas altamente sociais Um dos equívocos mais comuns é pensar que cupins são parentes próximos das formigas. A confusão se deve ao modo de vida social, mas filogeneticamente isso não procede. “Na verdade, os cupins não são apenas ‘mais aparentados às baratas’, eles são literalmente baratas que se especializaram bastante”, esclarece o pesquisador. “Hoje são classificados dentro da ordem Blattodea, a ordem das baratas.” Tiago Carrijo (UFABC) coletando cupins na Amazônia Renato Machado Essa constatação muda a maneira como os cientistas estudam a evolução da socialidade. Em vez de comparar cupins a abelhas e formigas, eles passam a investigar como um grupo de baratas evoluiu para sociedades complexas com divisão de castas, colônias permanentes e reprodutores que vivem juntos por toda a vida (rei + rainha). Um mundo ainda desconhecido Mesmo sendo tão importantes para o funcionamento dos ecossistemas, os cupins ainda sofrem com baixa representatividade científica e popular. Parte da dificuldade é prática: muitos vivem escondidos, são minúsculos, vivem dentro de madeira ou solo compacto, ou não apresentam castas fáceis de identificar. “Muitas espécies são difíceis de associar a um ninho característico, o que exige extensos trabalhos de campo e o uso de múltiplos métodos de coleta. O grupo foi historicamente abandonado pelos taxonomistas”, conclui. Isso explica por que, mesmo em biomas extensos como a Amazônia e o Cerrado, há grandes vazios de amostragem e porque o livro recém-publicado é considerado um marco para pesquisadores da área. VÍDEOS: Destaques Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente

FONTE: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2025/11/01/muito-alem-das-pragas-livro-reune-conhecimento-mais-recente-sobre-os-cupins-da-america-do-sul.ghtml


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